sábado, 24 de março de 2012


                               Saudades a Partir do Olhar e do Tempo

 

Hoje acordei com saudade. Saudade das chuvas sem acidez, que não causavam aridez na nossa cidade de São Raimundo Nonato. Saudades da chuva, porque, nestes últimos dias – tem chovido lágrimas de meus olhos. Saudade das calçadas da agência dos Correios e da casa do seu Pedro e da dona Ginolina. Saudade das amigas de minha irmã Vera Lúcia, a Rusa e a Neusa. O nome destas irmãs até rimam! Só não rimam com a dor da saudade. Então, me reporto agora a Neusa, ao Pedrinho a ao Estevão, esposo da Rusa e toda a querida família de seu Pedro, pedindo-lhes permissão para comungar a todos, a simbologia da Rosário, da nossa Rusa - para mim.
A gentileza humana fez seu último recinto em Rusa. E quando falo em gentileza, reporto-me a acepção de cordialidade humana, sem peso e sem mensura. A Rusa parecia carregar com ela um silencioso heroísmo na paz. E se escrevo sobre ela, a descrevo, pelo que a conheci e me regozija a idéia de tecer comentários sobre uma pessoa que imanentemente existiu sob a égide de uma liberdade e leveza sustentáveis. Falar sobre a Rusa é atribuir ao ser humano que ela foi e continua sendo para nós, uma qualidade adjetiva e superlativa que se traduz em RUSA. E o que é mais prazeroso no ser humano, se não for a liberdade, a simplicidade, a boa vontade em cooperar e em dar-se um pouco em tudo o que faz? Quem a conheceu, sabe disso! Falar e pensar em Rusa... É discorrer sobre o tempo e a memória.
A Rusa é o que podemos entender como um tipo peculiar de ser humano com expressões estilísticas ÚNICAS em sua maneira de ser e estar no mundo. Ela é uma seleta que reúne leveza, originalidade e liberdade de pensamento. E como os olhos são a janela da alma, convido a todos a fazermos uma reflexão como se por um instante pudêssemos pensar/falar e ver o mundo como a Rusa! E é assim que tento entender os que cantam e buscam compreender a ação inexorável do tempo. A fugacidade da matéria, a rapidez dos minutos e o escoamento das horas, o surgimento das rugas. E foi a respeito dessa devagação sobre o tempo que a minha irmã, Vera Lúcia e a Rusa conversaram na última vez que se viram, lá em casa!
Eu era uma criança... E a Rusa, a Neusa e a Vera jovens! E eu na curiosidade que é peculiar das crianças – na sua maneira pura e bela de ver o mundo – guardo nas minhas reminiscências a juventude destas garotas nos tempos dos cabelos longos, soltos e dos penteados permanentes e dos óculos que flertavam com o estilo blasé. Para mim, elas são eternas modelos com seu jeans desbotado e sandálias de couro. E a Rusa selou este tempo e espaço – tão longe, mas que, ficou em mim!  Estas meninas que permearam a fantasia de uma criança e serviram de estilo. De uma junventude que conversava na praça do abrigo, que ouvia Beatles e cantava a vida e a simplicidade do viver. E lembro-me de uma foto desbotada destas amigas que para reforçar a idéia de liberdade, estavam também, a Solange da tia Vanci, A Nicéa, a Adélia Maria, a Rosani, a Thâmar. E as que não citei... Perdoem-me, eu era apenas um pequena criança.
Pensar na Rusa é reportar-me às longas conversas que ela tinha com a Vera, que oscilavam da filosofia para a literatura e elas colocavam “porquês”. Os “porquês” da liquidez humana na atualidade. Eram tantos os “porquês”, que se alinhados serviriam a Shakespeare que afirmava que “a todo porquê corresponde um portanto”. Portanto, neste momento de saudade procuro elaborar com palavras para dizer... Dizer o quê? Dizer que a Rusa entendeu a vida como seguindo... Que a vida é uma sucessão de acertos e desacertos; comédia de erros, encontros e desencontros; nada absoluta e definitivamente relativizada nos senões do dia-a-dia, nos que partem sem prévio aviso, nos que deixam saudade (palavra esta, A SAUDADE, relativa à pátria mãe, mas que exprime um sentimento universal). Saudades da Rusa que nos sorria e acena na calçada. O sorriso mais airoso e honesto que conheci na minha vida. Saudade da Rusa que viveu feliz toda a transitoriedade da vida como um momento. E eu como cinéfila que vejo tudo enquadrado, enquadro a Rusa nas minhas reminiscências com seu estilo tão casual, tão diáfano, tão leve... E tive a oportunidade de dizer a ela, que se um dia, eu dirigisse um filme – ela seria a atriz protagonista e a película se chamaria: A MOÇA COM O OLHAR DIÁFANO! Rusa tão Rusa, gente tão gente. Voz calma e serena. E através dos seus peculiares óculos, estava o olhar de um ser humano que engendrou um pacto com a poesia e com as verdades mais comoventes que ela encerra. Então, meus irmãos cinéfilos... Sim, cinéfilos, porque se vemos e ouvimos – somos todos cinéfilos! Vejamos assim, como o eterno olhar BLASÉ e DIÁFANO de nossa inesquecível Rusa!
E sei que quando o sentimento é forte e verdadeiro... As palavras, mesmo vastas, são insuficientes. Então, encerro meu testemunho, recordando uma frase que, como um bom hábito, sempre pronunciava, quando chegando de férias em São Raimundo: “VERA, MAMÃE... A RUSA CHEGOU DE BRASÍLIA, ACABEI DE VÊ-LA, NA CALÇADA”!
Que SAUDADE MEU DEUS!

Para Neusa e Familiares

Ass.: Vanessa (cinéfila) da Alborina!